sexta-feira, 1 de março de 2019

A Tragedy's Bitter End - O que há de mais belo e sincero no sofrimento

"Can I spill for you the grieving?
May I show you the splendour of dying?"


"A Tragedy's Bitter End" é o primeiro e único álbum da lendária banda norueguesa de funeral doom Fallen. A banda é um projeto paralelo do baterista Anders Eek, fundador e único membro original remanescente da fantástica banda de doom Funeral.

Lançado em 2004, "A Tragedy's Bitter End" é o que podemos chamar de clássico instantâneo por dois fatores: composição e inovação.
Se tratando das composições, o que temos aqui é um Funeral Doom sendo executado de forma extremamente inteligente e competente. Não há um defeito sequer em relação a execução de sua proposta. E que proposta! Esse provavelmente é um dos discos mais melancólicos que eu já ouvi e isso lhe é perceptível em pouquíssimos segundos de audição.

O disco abre com a faixa "Gravdans" (Dança do sepultamento), a única música do disco que é cantada em norueguês e que é, de longe, a minha favorita deste álbum. Seus primeiros segundos já preparam o ouvinte para uma intensa e solitária jornada onde o lamento e a beleza andam lado a lado. De forma simples, o som do teclado vai criando toda uma atmosfera trágica, porém singela e frágil, onde já é possível sentirmos nossas emoções se aflorando no decorrer de cada melodia. Algum tempo depois temos a entrada devastante da guitarra de Christian Loos que, estando em contraste a ambientação que havia se construído até aqui, acompanha, em passos fúnebres, a bela passagem orquestral na qual estávamos a apreciar.
Passado um minuto de duração, temos a apresentação do segundo fator citado acima: a inovação. Diferente do habitual, os vocais (interpretados por Kjetil Ottersen) apresentados nesse disco não são cantados em gutural, mas sim de uma forma limpa e bastante profunda. Eles são uma peça fundamental para que tudo funcione de forma perfeita. Assim, claro, como todos os elementos citados acima.

Algo que podemos reparar nesse registro é que em nenhum momento temos uma saturação ou sobrevalorização de ideias. As músicas, por mais monótonas e minimalistas que sejam, apresentam variações satisfatórias em seu decorrer. Satisfatórias o suficiente para que não haja uma quebra na vibração que a atmosfera constrói no decorrer do álbum ou que façam as composições parecerem cansativas ou má exploradas.

"Weary And Wretched" oferece uma das amostras mais absurdas do potencial de Kjetil. Aqui ele canta usando uma entonação grossa e bizarramente profunda. Isso aumenta ainda mais o caráter de versatilidade da banda, ajudando a dar uma profundidade e dinâmica ainda maior ao sentimento de desolação que predomina todo o registro. E se tratando de versatilidade, na canção seguinte temos uma que é inteiramente instrumental, composta apenas por um piano. Em suma, "To The Fallen" é um interlúdio. Mas ao contrário do que se espera de um interlúdio, aqui não temos uma "pausa" ou quebra da entonação atmosférica do disco. Esse interlúdio é introduzido de uma forma muito bem vinda e inteligente, alavancando ainda mais o sentimento de angústia, porém ao toque da banda. O resultado é belíssimo!

Após o instrumental, temos o que eu considero ser a canção mais macabra e pesada de Tragedy's: "Morphia". Novamente, o destaque aqui vai para a interpretação do vocalista Kjetil e seu vocal extremamente desolado. A fórmula utilizada na composição dessa música mantém-se fiel àquilo que vimos desde o começo, porém, novamente, sendo executado de uma forma inteligente, apresentando variações e realçando a consistência do álbum. Todos esses elementos mantém-se firme e bem caracterizados em cada nota tocada.

Por fim, temos "Now That I Die" com seus 17 minutos de duração. É uma composição que reúne todos os elementos inseridos até aqui e se desenvolve, de maneira lenta, ao que podemos chamar de clímax final. Destaco aqui o trabalho de guitarra, que tem diversas mudanças - seja em riff ou seja em leads - e entregam um resultado deslumbrante. "Now That I Die" é uma obra-prima e uma singela homenagem (creio eu) ao projeto original de Eek e Christian, Funeral. Ao final desta, temos o derradeiro desfecho com um pequeno Outro de 3 minutos. "The Funeral". Para mim, o nome não poderia ser mais conveniente e direto. Este curto instrumental de piano encerra o álbum da forma mais fúnebre, serena e melancólica possível. Literalmente, como se fosse uma despedida à existência.

Se eu fosse definir este disco em uma palavra, "Luto" seria a palavra certa. A carga emocional, o sentimento de perca e desespero, tudo isso em contraste aos belos e ricos arranjos e melodias fazem deste registro monumental algo único e indispensável dentro do Funeral Doom Metal.

Nota: 10/10